domingo, 17 de junho de 2012

Fado da Japoneira

FADO DA JAPONEIRA
I
Japoneira, Japoneira
Do cemitério de Nogueira
São meigas tuas folhinhas
Estás caladinha e não ralhas
Diz-me entao quem agasalhas
Debaixo dessas ranquinhas!
II
Ó japoneira querida
Por todos és conhecida
É tão triste a tua ausência
Tu, japoneira com dores
Vais deitando tuas flores
Em cima da inteligência.
III
Os teu botões cor de ouro
Quis ter aos pés teu tesouro
O que abraçou rico e pobre
E tu, linda japoneira
Vais com as raízes à beira
Do berço da alma nobre!
IV
As tuas flores encarnadas
Sao lagrimas orvalhadas
Sempre a cair nesse chao
Sao tao brandas e tao belas
Que o povo tem o mais delas
Metidas no coraçao
V
Ó raíz que vais andando
Por sobre terra mimando
Quer-lhe chegar com as pontinhas
Ao amigo que eu conheço
Faz-me o favor que eu te peço
É dar-lhe saudades minhas
VI
Ó raparigas casadas
Que vos achais magoadas
E o coração em pedaços
Lembrai-vos dessas mãozinhas
Tantas mães e criancinhas
Foram salvas nesses braços
VII
Ó noites amarguradas
Tantas delas pernoitadas
À sombra do acipreste
Às vezes fico a pensar
Que ainda has-de gozar
O bem que por cá fizeste
VIII
Essa tragédia hedionda
Onde oculta a negra sombra
Nao deixeis de ir a Nogueira
Ide ver as flores bonitas
Quando vos vires aflitas
ide ao pé da Japoneira
IX
Ó Pedreira da Murraça
Que nao vejo o que te faça
Dou-te todo o meu prestigio
Tantas noites tantos dias
Fugindo ao inimigo
Foste o meu esconderijo
X
O regime de um carrasco
Que para o povo foi mais fraco
Como diz o vocabulário
Eu aqui vos deixo dito
Que muito me vi aflito
Este pobre Apolinário
XI
Morre o rico, morre o pobre
Morre o berço da alma nobre
O morrer é uma carreira
Morre o homem da ciência
Morre a grande inteligência
Morre também a japoneira

(Apolinario Gonçalves)
Julho de 1942
(dedicado ao Dr. Prata - António Carlos Ferreira Soares 
assassinado pela PIDE em Julho de1942)